Senhora, estou com fome me diz uma boca desdentada.
Uma face negra habitada por olhos desesperados.
Tiraram nossos doces.
Eu estava na passarela do metro Maracanã.
De longe vi duas pessoas abordando outras nas ruas.
Dois seres invisíveis.
Tão reais,daquela realidade doída, tão crua, tão humana que se prefere não ver.
Ignoramos para não sofrer.
Sofrer o sofrimento do outro.
Eu parei.
E ele agradeceu, agradeceu por ter ser escutado, ser visto.
E essas pessoas falam.
Todos queremos ser ouvidos, desejamos ser sentidos.
E eu ali, escutava, sentia.
E doía, claro.
Ele falava na Dilma, no governo, no filho desaparecido, na mulher presa.
Sonhava com uma casa, dessas do Minha Casa, Minha Vida e uma varanda pra ver o filho brincar.
Dizia que não conseguia roubar, ia na Lagoa e não roubava pois sabia que existiam boas pessoas lá.
Boas pessoas, más pessoas.
Enquanto o pêndulo balança de um lado para o outro estaremos em desigualdade.
Ele falava da nossa diferença de cor, de classe social e eu sentia esse abismo entre nós.
Ele se desculpava por simplesmente ser.
E eu sentia a culpa.
Eu pedia perdão por existir.
Mas como dizer pra ele que não tem governo, não tem Dilma, não tem programa.
Não tem absolutamente nada.
?
Só esse encontro. Só esse momento.
Ele me agradecia pelos trocados que eu tirei da carteira recheada de notas.
E eu tirei uns trocados, aquelas que valiam menos.
E fui embora.
Me despedi com ele me agradecendo, dizendo que gostaria de me dar algo em troca.
Eu queria explicar que eu não dei nada, mas recebi tanto.
Recebi um olhar, sua fala e presença.
Recebi a certeza que sou responsável pelo sofrimento deste mundo.
Você se foi, está na rua, hoje está chovendo.
E eu aqui, num apartamento da Zona Sul, todas as minhas necessidades materiais satisfeitas e até muito mais. Eu possuo muito mais do que necessito e esses bens me possuem.
Me possuem tanto que já não sou livre.
Virei estátua.
Seca, fria, sem vida no metrô do Maracanã.
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