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Sobre comida, alimento e amigos

Coagem do Suco de Clorofila
Quando a Flávia tinha lá seus 20 anos, ela cozinhou uma refeição para um par de amigos. Naquela época cozinhar significava seguir as instruções de um rótulo e aquecer um molho de tomate de caixinha. O resultado?, bem, o resultado feriu o orgulho e a vaidade da Flávia. Mas não perdi o amigo, ainda até tenho ele no Facebook, por mais surpreendente que isso possa ser. A Flávia ainda lembra de ligar para a mãe perguntando como se preparava arroz (naquela época internet só depois da meia noite). A mãe, pacientemente, respondia, e também pagava a conta de telefone, muito resignadamente, pode-se dizer. O cardápio consistia em cachorro quente, sopa de ervilha, miojo, pizza, refrigerante e muitos salgadinhos do China, novidade então. O resultado, digamos, o resultado exterior se apresentava em 86 quilos distribuídos de forma não homogênea. E sabe-se lá quais eram (e são) os resultados interiores. 

Broa de Milho
Seria muito agradável pra Flávia dizer que queria emagrecer por razões de saúde, ecológicas, sustentáveis. Mas isso não era moda na época. A Flávia queria emagrecer pelas razões mais básicas, aquelas que escondemos de nós mesmos, para se sentir atraente, ou seja, para ter a atenção daqueles corpos atraentes que não olhavam para ela, porque, veja bem, a Flávia não habitava um corpo atraente. Deixarei de lado a discussão sobre padrão de beleza, regulação de corpos, feminismo, magreza, entre outros, já esgotei meus discursos sobre isso e todos, principalmente minha família, amigos e namorados, foram exauridos. 

Emagreceu tomando remédios, os "tarja preta" pouco controlados na época, e receitados por médicos. Depois engordou novamente, e emagreceu, e engordou, o tal chamado efeito sanfona, que embora não soe como uma sanfona, tem lá sua cantoria própria em forma de choro, gemido, gritos e lamuriações.

Barquinhas com queijo de sementes
Mas eis que, num momento dessa trajetória surgiu a tal da onda verde, chamaremo-la assim, e espero, leitor que com esse termo possa apontar para o que se trata. Dedicou-se em pesquisar sobre os alimentos e as mudanças começaram. A princípio substitui a coca comum pela coca zero (era novidade na época), aí preparava-se os próprios hambúrgueres em casa, assava ao invés de fritar, um arroz integral (de saquinho)... E a coisa continuou, e continua, espera-se, enquanto estivermos vivas. Depois veio um momento de toda uma nova onda, mais verde, mais viva: sem animais, orgânica, e até mesmo, viva. Foi através da Alimentação Viva que aprendeu a fazer os brotos de girassol, e muitas outras coisas. Deixe-me nomeá-las, porque é divertido: suco de clorofila, bebidas fermentadas, sementes germinadas, queijos de sementes, tortas doces...

Torre de Cogumelos, Nozes e Azuki
A Flávia aprendeu um monte e disse a si mesma, várias vezes, que só iria comer vivo, e comer vivo significa não se alimentar de nada cozido (que ultrapasse a temperatura de 42º de forma a preservar as enzimas dos alimentos). Ela nunca passou de uma semana. Podemos ver isso como uma derrota (adoramos nos lamuriar), ou podemos ver isso como o fato que é. E o fato é que se adquiriu uma quantidade considerável de conhecimento e experiência e prática e, que me julguem os deuses, um certo equilíbrio na alimentação.
Pizza Viva de Sementes Germinadas

Talvez o real motivo desse post seja compartilhar esses belos pratos e dar expressão à uma mente falante. Claro que não tenho fotos do primeiro nhoque com o qual intoxiquei meus amigos. Mas tenho um agradecimento especial pra querida amiga que me proporcionou a oportunidade de produzir umas das refeições mais belas, gostosas e vivas dessa trajetória. E ainda uma outra que me ofertou tão belas fotos. E todos aqueles com quem compartilhei um tanto das, múltiplas, experiências de se comer e de se alimentar. Há uma real sutileza que marca a diferença entre os dois.

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